A Igreja se une a cada ano, mediante os quarenta dias da quaresma, ao grande mistério de Jesus no deserto, onde Ele vence o tentador por nós, como bem assinala a carta aos Hebreus: “Pois não temos um sumo Pontífice incapaz de compadecer-se de nossas fraquezas, pois Ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção ao pecado” (Cf. 4,15). Nesse tempo, é necessário entendermos o nosso chamado como cristãos, a vivermos uma vida em estado permanente de santidade, oração e escuta daquilo que Deus tem falado pela voz da Igreja.
Desde o século III, a quaresma é um tempo de conversão e penitência por meio de exercícios espirituais. Nesse tempo, ouvimos que no primeiro e segundo domingo sempre aborda-se o evangelho da tentação e o da transfiguração de Jesus. Como se sabe, a liturgia da palavra acompanha três anos: A, B e C. Para cada ano a Igreja escolhe um direcionamento para nortear esse tempo de combate espiritual. Em 2017 a renovação do batismo está em foco.
É interessante notar que depois do batismo de Jesus por João Batista, nosso Senhor vive quarenta dias de solidão, levado pelo Espírito Santo ao deserto. Ali é o novo Adão fiel a Deus, diante do Adão antigo, que sucumbiu diante da tentação. Jesus afasta dele o tentador no deserto para nos mostrar a verdade sobre a tentação de Adão no Paraíso e do povo de Israel no deserto. Jesus, obediente ao Pai, antecipa o mistério da Sexta-feira Santa: um filho totalmente obediente ao Pai, o Salvador.
Assim sendo, a água viva anunciada por Jesus à Samaritana é a água do batismo. Jesus é a água da vida. Durante a quaresma na idade antiga a Igreja preparava os catecúmenos para receberem na noite da Vigília Pascal o sacramento do Batismo. Por isso mesmo, nesta mesma noite renovam-se as promessas batismais. Na carta aos Colossenses (Cf. 2,12), a palavra do Senhor diz o seguinte: “No Batismo, fostes sepultados com Ele, com Ele também fostes ressuscitados, porque crestes na força de Deus, que O ressuscitou de entre os mortos.” É importante ressaltar que a Igreja chama crianças e adultos ao Batismo, e que o catecumenato é necessário para os que vão receber o Batismo na idade adulta.
O Batismo, sacramento da iniciação cristã, institui uma relação pessoal com cada pessoa da Santíssima Trindade: o Espírito Santo derrama em nós a graça santificante que nos torna participantes da natureza divina (Cf. 2 Pedro 1,4). Isso significa que somos filhos adotivos de Deus em Jesus Cristo, que é o Único Filho do Pai. Essa graça santificante encerra em nós as virtudes teologais (fé, esperança e caridade), tais virtudes nos levam a viver plenamente esse sacramento por toda a nossa vida em nosso relacionamento com Deus: amá-Lo, servi-Lo, como também comporta os dons do Espírito Santo, que podem levar-nos a viver e a agir sob sua moção, isto é, a graça do Batismo no Espírito Santo (Cf. CIC, 1266). Daí todo o organismo da vida sobrenatural do cristão tem sua raiz no santo Batismo.
Nessa perspectiva, o Batismo torna-se a fonte primária e original dos exercícios quaresmais. Vejamos o que diz o Catecismo da Igreja Católica (Cf. 1438): “Os tempos e os dias de penitência ao longo do ano litúrgico (o tempo da quaresma, cada sexta-feira em memória da morte do Senhor), são momentos fortes da prática penitencial da Igreja. Esses tempos são particularmente apropriados aos exercícios espirituais, às privações voluntárias como o jejum e a esmola, à partilha fraterna (obras de caridade e missionárias)”.
Esse itinerário espiritual é de um dinamismo do Espírito Santo e de uma profundidade sem igual, pois nos leva a compreender quem é Deus a partir das práticas e exercícios espirituais, e a gerar em nós essa conversão. Portanto, a quaresma é um tempo de renovação das promessas batismais e de uma profunda caridade para com o próximo, onde haverá a purificação do coração, uma prática perfeita da vida cristã e uma atitude pessoal de mudança. A penitência, tradução latina da palavra grega que na bíblia significa a conversão (literalmente a mudança do espírito) do pecador, designa todo um conjunto de atos interiores e exteriores dirigidos a reparação do pecado cometido, e o estado de coisas que resulta dele para o pecador.
A Escritura e os Padres insistem sobre tudo em três formas: o jejum, a oração, a missa, que expressam a conversão com relação a si mesmo, com relação a Deus e com relação aos demais, junto com a purificação radical operada pelo Batismo ou pelo martírio, citam, como meio de obter o perdão dos pecados, os esforços realizados para reconciliar-se com o próximo, as lágrimas de penitência, a preocupação pela salvação do próximo, a intercessão dos santos e a prática da caridade “porque a caridade cobre a multidão dos pecados (Cf. 1 Pedro 4,8; CIC 1434).”
Por assim dizer, não resta dúvida de que esse tempo tão profundo para nós é o tempo de renovar o nosso Batismo através dos exercícios espirituais, que nascem a partir dessa graça operante em nós e nos faz participantes da graça de Deus. Alimentar o coração com a oração, penitenciar a si mesmo abrindo mão de algo que seja prazeroso, realizar atos de caridade para com o próximo, leitura de algum livro bíblico durante esse tempo e escolher um mal hábito e abrir mão do mesmo, são sinais, setas que nos apontam para essa renovação do batismo no tempo da Quaresma e alimenta a nossa vida.
Mérison Santos
Ministério Jovem RCC Maranhão